A atividade agroindustrial enfrenta riscos que outrossetores não experimentam. Esses riscos incluem variações abruptas nos preçosdas commodities, fatores climáticos e características específicas dosprodutores rurais como empresários. Embora os produtores rurais sejamhabilidosos em suas operações e possuam conhecimento técnico invejável, nemsempre são proficientes nos aspectos comerciais e financeiros. Muitos operamcom baixa liquidez e acumulam dívidas. Além disso, é raro encontrar um produtorrural com contabilidade formalmente registrada, operando grande maioria emregime de caixa e como pessoa física. Essa falta de governança estruturada podelevar a decisões excessivamente centralizadas.
Considerando os fatores mencionados ainda situações em que ocorrauma crise no preço das commodities, combinada com eventos climáticos adversos –comoobservado no Brasil em 2024 – surgem nuances que levam os produtores a não conseguiremmais cumprirem com suas obrigações resultando em default e inadimplência. Assim,o capítulo que se inicia é sempre o mesmo, a recuperação judicial do produtorrural.
No contexto do instituto de soerguimento de empresas, discutimosquestões acerca da essencialidade dos ativos do devedor para a sua reestruturação financeira.Em verdade, não há coincidência de terminologia entre bens de capital eelementos essenciais à empresa, posto que há bens de capital essenciais e nãoessenciais, ao passo que há elementos essenciais, como os recursos financeiros,que não se confundem com os bens de capital.
Considerando os artigos 49º, parágrafo 3º, juntamente com oartigo 6º, parágrafo 7º da LREF, fica limitada a excussão de bens essenciais àatividade econômica da empresa ou do produtor rural que estejam sob processo derecuperação. Isso impossibilita a alienação desses bens durante o prazo de stayperiod. Por conta dessas provisões, todas as recuperações judiciaisrelacionadas ao agronegócio frequentemente debatem a aplicabilidade dessesartigos em casos como a alienação fiduciária de safra a ser colhida no futuropelo produtor, por exemplo.
A safra futura, na maioria dos casos, serve de fomento paraa nova plantação e é responsável pelo giro de capital do produtor rural, sendoimprescindível para as atividades produtivas, principalmente para o empresáriorural em crise. Nesse sentido, a proteção legal da produção agrícola éfundamental para os rendimentos da comercialização, com o objetivo de permitiro investimento na empresa em recuperação judicial.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Resp1.991.989/MA (2021/0323128-8) definiu que a receita obtida pela utilização detais bens não é tida como essencial ao produtor rural em recuperação judicial,entendendo que o produto agrícola não é bem de capital essencial, e sim resultadofinal da produção do produtor rural, em hipótese alguma se equiparando a um beminserido no contexto do processo produtivo, como a colheitadeira, prensa,caminhões e outros maquinários. Tal decisão excluiu a proteção que proíbe aalienação, venda ou constrição durante o stay period deferido em favordo produtor rural em recuperação judicial.
Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha entendido damaneira acima, não é incomum ver decisões estaduais limitando a excussão dedireitos dos credores fiduciários com relação aos produtos agrícolas, gerandodebates acerca desse assunto. Atualmente, sobre o assunto existem apenasprecedentes que fazem surgir uma dicotomia, por um lado, o enquadramento de bemessencial apenas como bens imóveis (é produtivo? Está arrendado? Produz outrosbens?), e, de outro, o enquadramento de certos produtos, como dinheiro,recebíveis e grãos.
Ao analisar a situação fática, é mais viável que a aferiçãoda essencialidade, assim, deve ser feita com base no caso concreto, como, porexemplo, para a atividade de produtor rural, os bens de capital essenciaisseriam aqueles que se voltem ao cultivo, colheita, armazenamento ou transporteda produção, como maquinários, silos, colheitadeiras, tratores, veículos etc. Mas,por outro lado, o resultado da produção, a safra, não constitui bem de capitale, portanto, dentro daquela apertada definição, não tem sua essencialidadereconhecida para a atividade empresarial rural, consoante entendimentojurisprudencial dominante.
João Guilherme
02/07/2024