O agronegócio brasileiro é reconhecido como um dos pilares da economia nacional,responsável por significativa parcela do PIB, pela geração de milhões de empregos epelo fortalecimento da balança comercial. No entanto, esse setor, marcado porgrandes cadeias produtivas, sazonalidade das atividades e alta demanda por mão deobra, ainda convive com um desafio histórico: a ocorrência de condições de trabalhodegradantes, que podem configurar o chamado trabalho em condições análogas àescravidão.
A legislação brasileira é clara ao rechaçar tais práticas. O artigo 149 do Código Penaldefine como crime submeter alguém a condições desumanas de trabalho,caracterizadas por jornadas exaustivas, restrição da liberdade de locomoção ousituações que atentem contra a dignidade da pessoa humana. A inclusão doempregador no cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores acondições análogas às de escravo, a chamada “lista suja”, pode resultar não apenasem sanções administrativas e ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Públicodo Trabalho, mas também em severos prejuízos reputacionais e restrições no acessoa crédito e a mercados internacionais.
É nesse cenário que o compliance trabalhista assume um papel central. Ao contráriode uma visão limitada ao simples cumprimento formal da lei, o compliance deve serentendido como um conjunto de práticas, políticas e valores que permeiam a culturaempresarial. No campo, ele se traduz em medidas concretas de prevenção de riscos,como a realização de auditorias internas periódicas, a fiscalização de alojamentos econdições de transporte de trabalhadores, a verificação da regularidade dos contratosde safra e da intermediação de mão de obra, além da implementação de canais dedenúncia eficazes e da promoção de treinamentos constantes para gestores e líderesde equipes rurais.
A adoção de tais mecanismos não apenas evita a ocorrência de infrações trabalhistas,mas também fortalece a posição da empresa em eventual investigação. Demonstrarque havia um programa estruturado de integridade, com monitoramento ativo emedidas de prevenção, pode ser elemento essencial para a comprovação dadiligência empresarial, mitigando responsabilidades e servindo como argumento emeventual defesa judicial.
Além disso, o compliance trabalhista no agronegócio conecta-se diretamente com aagenda de ESG (Environmental, Social and Governance), que ganha cada vez maisrelevância no mercado global. Importadores, instituições financeiras e grandescompradores têm exigido garantias de que a produção agroindustrial brasileira nãoesteja vinculada a práticas ilícitas, sob pena de rompimento de contratos e restriçõesno comércio exterior. Nesse sentido, investir em políticas sérias de compliance não éapenas uma exigência legal, mas também um diferencial competitivo e um fator deperpetuidade dos negócios.
Em conclusão, o enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo exige mais doque reatividade às fiscalizações do Estado. É preciso adotar uma postura proativa,que valorize a dignidade da pessoa humana e fortaleça a segurança jurídica. Ocompliance trabalhista surge como uma ferramenta indispensável para queprodutores rurais, usinas e frigoríficos consolidem sua credibilidade, previnampassivos trabalhistas vultosos e se posicionem de forma estratégica diante das novasexigências do mercado e da sociedade. É traduzir a legislação em práticas concretasque unam sustentabilidade, responsabilidade social e desenvolvimento do setor.
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02/10/2025
Allan Modesto é advogado, graduado pela Faculdade Marechal Rondon. Pós-graduado em Direito do Agronegócio pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Atuante no setor contencioso do escritório, com foco no setor agroindustrial em direito do trabalho empresarial e conflitos contratuais cíveis.