Nos últimos anos, a terceirização de mão de obra na indústria da cana-de-açúcar tornou-se uma prática comum. Ela permite que as empresas agilizem a produção, especialmente em períodos de colheita, ao contratar serviços especializados. No entanto, apesar das aparentes vantagens, a terceirização também traz riscos jurídicos significativos, especialmente no que se refere à responsabilidade das empresas contratantes. Neste artigo, exploraremos os principais riscos da terceirização no setor sucroalcooleiro e as medidas que as empresas podem adotar para minimizar problemas legais.
O que diz a legislação sobre a terceirização?
A terceirização de mão de obra foi formalmente regulamentada pela Lei nº 13.429/2017, que alterou a Lei nº 6.019/1974. Desde então, é permitido terceirizar tanto a atividade meio quanto a atividade fim. No setor da cana-de-açúcar, isso significa que as empresas podem contratar terceiros para realizar atividades ligadas diretamente à produção, como a colheita e o plantio.
Contudo, a mera formalização da terceirização não exime as empresas da responsabilidade quanto às obrigações trabalhistas. O artigo 5º-A da Lei nº 6.019/1974 estabelece que a contratante pode ser responsabilizada subsidiariamente por eventuais débitos trabalhistas, caso a empresa prestadora de serviços não cumpra com suas obrigações.
Responsabilidade subsidiária e solidária: o que isso significa para as empresas?
Na prática, a responsabilidade subsidiária significa que, em caso de inadimplência da empresa terceirizada, a contratante pode ser obrigada a arcar com o pagamento de salários, férias, FGTS e outros direitos trabalhistas não quitados pela prestadora de serviços.
Além disso, em algumas situações, pode ser configurada a responsabilidade solidária da empresa contratante, especialmente quando há fraude na terceirização, como a tentativa de mascarar vínculo empregatício direto ou a utilização de uma empresa prestadora sem capacidade financeira ou estrutural para cumprir com suas obrigações trabalhistas.
Em recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Justiça do Trabalho reforçou que a empresa contratante tem o dever de fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa terceirizada. O descumprimento dessa obrigação pode gerar a responsabilização direta da tomadora de serviços.
Riscos específicos no setor da cana-de-açúcar
A terceirização de mão de obra no setor da cana-de-açúcar apresenta algumas peculiaridades que exigem maior atenção por parte das empresas contratantes:
1. Sazonalidade e altas demandas durante a colheita: Durante o período de safra, a demanda por trabalhadores aumenta significativamente, e muitos produtores recorrem à terceirização. No entanto, é crucial garantir que os trabalhadores terceirizados recebam todos os direitos previstos em lei, especialmente considerando a natureza desgastante e, muitas vezes, insalubre do trabalho no campo.
2. Condições de trabalho: Os trabalhadores na colheita de cana frequentemente estão expostos a condições de trabalho adversas, como calor intenso e jornadas extenuantes. O não cumprimento das normas de saúde e segurança pode levar à responsabilização direta da contratante, além de resultar em pesadas multas administrativas.
3. Trabalho escravo e degradante: O setor agrícola é um dos mais fiscalizados quanto ao combate ao trabalho escravo e condições degradantes de trabalho. Caso a fiscalização identifique irregularidades em uma empresa terceirizada, a contratante pode ser solidariamente responsabilizada por essa prática, enfrentando, além de sanções civis e trabalhistas, danos à sua imagem.
Medidas preventivas para empresas contratantes
Para minimizar os riscos jurídicos associados à terceirização, as empresas do setor da cana-de-açúcar devem adotar uma série de medidas preventivas. Entre as principais, destacam-se:
1. Diligência na escolha da prestadora de serviços: Antes de contratar uma empresa terceirizada, é fundamental realizar uma análise minuciosa de sua capacidade financeira e de sua regularidade jurídica e fiscal. Verifique se a empresa está em dia com suas obrigações trabalhistas e previdenciárias, além de avaliar seu histórico em relação a litígios trabalhistas.
2. Fiscalização contínua: A responsabilidade da contratante não se limita à assinatura do contrato. É imprescindível realizar uma fiscalização contínua sobre o cumprimento das obrigações trabalhistas, de saúde e segurança pela empresa terceirizada. Isso inclui monitorar o pagamento de salários, benefícios, fornecimento de EPIs e a jornada de trabalho dos empregados terceirizados.
3. Cláusulas contratuais robustas: Incluir cláusulas contratuais que garantam a responsabilidade da prestadora em relação aos direitos dos trabalhadores é essencial. Além disso, prever mecanismos de fiscalização e auditoria periódica das obrigações trabalhistas pode servir como uma ferramenta adicional de proteção jurídica.
4. Seguro garantia: Algumas empresas optam por exigir que a prestadora de serviços contrate um seguro garantia para cobrir eventuais descumprimentos das obrigações trabalhistas. Essa prática pode ser uma forma eficaz de minimizar o risco de ser acionada judicialmente em caso de inadimplência.
Conclusão
A terceirização é uma prática valiosa para o setor da cana-de-açúcar, permitindo flexibilidade na contratação de mão de obra, especialmente em períodos de alta demanda. No entanto, as empresas contratantes devem estar atentas aos riscos jurídicos envolvidos. Ao adotar medidas preventivas, como a diligência na escolha da prestadora, a fiscalização contínua e a inclusão de cláusulas contratuais robustas, as empresas podem mitigar os riscos e garantir que a terceirização seja uma prática vantajosa e segura.
Com a devida atenção à legislação e boas práticas, é possível terceirizar com segurança, evitando passivos trabalhistas e protegendo a reputação e os interesses financeiros da empresa.
Allan Modesto
22/08/2024