As empresas familiares contribuem de maneira expressiva para a economia de nosso país, influenciando diretamente em nosso PIB e na diária produção de alimentos para a nossa população. Conforme levantamentos do Censo Agropecuário realizado em 2017, cerca de 77% dos estabelecimentos voltados à atividade agroindustrial foram classificados como de Agricultura Familiar, e foram responsáveis por 23% do valor da produção, ocupando 23% da área total dos estabelecimentos agropecuários. Trabalhavam na Agricultura Familiar cerca de 10,1 milhões de pessoas, ou 67% da mão de obra dos estabelecimentos agropecuários.
Contudo, o grupo organizacional de uma família voltada à atividade do agronegócio apresenta inúmeras complexidades. Isto porque, as quantidades de fontes de produção e bens envolvidos; os conflitos de interesses entre os familiares; questões de sucessão/herança (e para realização desta a necessidade de ter que suportar um inventário judicial completamente moroso, custoso e burocrático); questões societárias; alta incidência de tributos sob a pessoa física, dentre outras dificuldades atinentes, contribuem diretamente para a origem de conflitos e empecilhos na continuidade próspera da atividade rural da família, levando em diversos casos a não alternativa senão o pedido de Recuperação Judicial pelo produtor rural.
Há uma grande complexidade em entendermos e antevermos crises, ao se denotar a crise de uma atividade empresária extremamente rica e economicamente viável, com todas as ferramentas necessárias para ser uma operação frutífera, sendo levada a cabo por um conjunto de questões passionais dos familiares que interferem de maneira negativa no negócio da família e, eminentemente, falta de uma organização e/ou governança corporativa bem estruturada.
A quem visa superar esses desafios, a constituição de uma Holding Familiar, entre outros institutos, se demonstra uma das alternativas para tal. Holding vem do termo “to-hold”, ou seja, para segurar, equilibrar, controlar.
Em uma visão geral, a Holding Familiar é uma estrutura societária constituída para gerenciamento de ativos da atividade rural, uma ferramenta de planejamento patrimonial “de dentro da porteira”, em que apresenta alternativas de transmissão de patrimônio aos sucessores com o titular ainda em vida. Melhor elucidando, possui como objetivo a centralização e administração do patrimônio de uma família, agregando ativos como empresas, investimentos, imóveis e participações societárias, conferindo vantagens intrínsecas tanto em termos de gestão quanto de proteção patrimonial.
As vantagens de se constituir uma Holding Familiar podem ser destrinchadas na facilidade de construção de um planejamento sucessório; proteção patrimonial; diminuição dos atritos familiares (ao passo que se estabelece com uma maior interferência do titular do patrimônio a sucessão de bens, participações e governança); melhora na eficiência da gestão; diminuição no Imposto de Renda (uma pessoa jurídica participante de um sistema de Holding Familiar será tributada em torno de apenas 11% ao passo que uma pessoa física tem um tributo de quase 28% em seus rendimentos) e a possibilidade de não pagar algumas taxas tributárias.
Noutro giro, quanto a última vantagem delineada acima, qual seja: os aspectos tributários, vem surtindo diversos conflitos no Judiciário estritamente correlacionados com esta.
O produtor rural possui diversas fontes de produção, gerando receitas que são utilizadas não só como meio de produção, investimentos, aquisições, mas também para saldar suas dívidas e, eminentemente, integralizar capital social de uma eventual sociedade empresária que venha a constituir, oportunidade em que surge a discussão da incidência ou não do ITBI (“Imposto sobre Transferência de Bens Imóveis”). Porquanto seja pacificado em legislação tributária e até mesmo em nossa Constituição Federal a não incidência de ITBI em casos de incorporação de capital social de sociedade empresária com bens imóveis, o Supremo Tribunal Federal vem proferindo entendimento diverso e obscuro com as letras das leis.
Sobre o aspecto tributário, o ITBI é imposto que incide sobre a transmissão onerosa de bens imóveis, consoante art. 156 da CF, de competência dos Municípios. O imposto não incidirá, mesmo se tratando de ato oneroso, quando o imóvel se destinar a incorporar capital social de sociedade empresária; incidirá, porém, ainda que seja integralização de capital social, quando a sociedade a receber o bem se dedicar à atividade preponderantemente ligada à compra e venda, locação ou arrendamento mercantil de bens imóveis. O Código Tributário Nacional, embora tenha chancelado a incidência sobre a transmissão onerosa de bens imóveis a qualquer título, cuidou também de criar, noutro lado, regra de não incidência para transmissão de patrimônio ao capital social de empresa em pagamento às cotas subscritas.
Outra exceção que legitima a incidência de ITBI em situações exemplares até as aqui demonstradas, seria em casos de reserva de capital. Para entendimento: Imagine-se uma integralização de 1.000.000 reais realizada com patrimônio de 1.500.000. Estes 500.000 sobressalentes ao valor das cotas ingressariam na conta de reserva de capital, eis que representariam o ágio para além do valor das quotas subscritas, o que, portanto, gerará um efeito tributário adverso. Portanto, os bens devem ser integralizados pelo exato valor de suas cotas sociais.
A controvérsia origina-se na lacuna deixada pela norma a respeito da diferença do valor dos bens imóveis que superam o capital subscrito a ser integralizado, cabendo à interpretação da legislação decidir se há incidência ou não da tributação pelo ITBI nestas situações. Neste contexto, contudo, existe o tema 796 do STF que é cristalino ao expressar o alcance da imunidade tributária do ITBI sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, quando o valor total desses bens excederem o limite do capital social a ser integralizado.
Ocorre que, municípios não reconhecem a imunidade tributária (ITBI) na transferência de imóveis, ainda que exatamente no mesmo valor constante da sua declaração de imposto de renda para formação de capital social da empresa. Em caso recentemente tramitado perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e sem entrar em maiores detalhes sobre o caso concreto, houve por parte de um Município a iniciativa de cobrar ITBI de uma empresa que subscreveu e posteriormente integralizou capital social de uma Holding com bens imóveis rurais, que foram integralizados pelos seus valores nas declarações de imposto sobre a renda. Sustentou sua tese o órgão Municipal de que a incidência do tributo deveria cair sobre o valor venal do imóvel.
A legislação permite a indicação do valor do imóvel pelo valor constante da respectiva declaração de bens, independente se houve ao longo do tempo valorização do imóvel. Portanto, o Município, erroneamente, exigiu ITBI em operação de integralização ao capital social, sendo julgado procedente o Mandado de Segurança impetrado pela empresa rural.
Ainda em termos tributários incidentes sobre o tema da Holding Familiar, a reforma tributária, promulgada pelo Congresso Nacional no dia 20/12/2023, abre margens para alterações importantes nas holdings familiares. Com a reforma, haverá a majoração das alíquotas sobre heranças, doações e propriedades de bens, prevendo alíquotas maiores para as grandes heranças, podendo chegar até 8%. Assim, estados visados pelas holdings familiares por terem alíquotas menores, como São Paulo e Paraná (4%) não serão mais atrativos como antes.
Portanto, o precípuo intuito da elaboração deste artigo constituiu em demonstrar os benefícios à disposição do produtor rural ao se constituir uma holding familiar, a partir do momento em que esta irá gerar melhora em sua rentabilidade, segurança financeira, redução de impostos, proteção de patrimônio e facilitação nos processos sucessórios, ao mesmo passo em que buscou-se demonstrar necessária atenção a certas questões tributárias atuais, porquanto não sejam de maiores ocorrências. Não basta analisar a holding apenas como uma alternativa ao inventário ou possível redutor de tributos, é possível enxergá-la como mais uma ferramenta de governança corporativa.
A organização patrimonial e uma governança corporativa bem estruturada são as ferramentas primordiais para a continuidade de um legado rural que há séculos se perpétua e há de continuar a se perpetuar ante todos os benefícios que a sociedade com um todo aufere de sua existência e contribuição.
Por fim, lembramos que o planejamento patrimonial via constituição Holding não deve ser entendido como a solução absoluta para os problemas de governança e sucessão familiar, ao revés, existem diversos mecanismos jurídicos para adequada implantação do planejamento patrimonial que devem ser analisados criteriosamente caso a caso, atendo as particularidades familiares e questões operacionais atinentes à atividade rural.
João Guilherme
22/01/2024