INTRODUÇÃO
1. No âmbito das operações do agronegócio, especialmente aquelas queenvolvem complexas cadeias produtivas como as de carne bovina, é comum queempresas estabeleçam parcerias comerciais que demandam alto grau de confiança econtrole. Dada a vulnerabilidade financeira de alguns parceiros –frequentemente dependentes de adiantamentos para operacionalização dasatividades –, não é incomum que o contratante indique um administrador de suaconfiança para integrar o quadro diretivo da empresa contratada.
2. Neste contexto, emerge uma relevante discussão sobre os limites daresponsabilidade trabalhista atribuível ao administrador não sócio, sobretudo àluz da sistemática do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica(IDPJ), previsto no artigo 855-A da CLT (inserido pela Lei 13.467/2017) eregulamentado nos artigos 133 a 137 do CPC.
3. Este artigo se propõe a analisar a evolução jurisprudencial edoutrinária sobre o tema, destacando a aplicação da teoria maior e menor dadesconsideração, bem como os riscos operacionais da atuação de administradoresindicados. Ao final, serão apresentadas diretrizes para orientação dos setoressocietário e cível/comercial do escritório.
ORIGEM DA DISCUSSÃO: TEORIA MAIOR E MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO
4. A separação entre os patrimônios da empresa e de seus sócios ouadministradores sempre foi um pilar do direito empresarial. No entanto, emcasos de abuso, fraude ou desvio de finalidade, surgiu a necessidade demecanismos que permitam responsabilizar pessoalmente aqueles que se beneficiamindevidamente dessa separação. Surge, então, a teoria da desconsideração dapersonalidade jurídica.
5. No Brasil, essa teoria se bifurca em dois regimes:
· Teoria Maior (Art. 50 do Código Civil): exige demonstração de abuso da personalidadejurídica, seja por desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Aplica-segenericamente às relações privadas.
· Teoria Menor (Art. 28 do CDC): prescinde de demonstração de fraude ou abuso,bastando a insolvência da pessoa jurídica para atingir seus sócios ouadministradores. Aplica-se prioritariamente nas relações de consumo.
6. Na seara trabalhista, a jurisprudência, por muito tempo, se alinhou àteoria menor, dada a natureza alimentar do crédito trabalhista. Contudo, após aLei 13.467/2017, que introduziu o art. 855-A à CLT e remeteu à aplicaçãosubsidiária do CPC, a tendência tem sido pela adoção da teoria maior, exigindodemonstração de conduta abusiva.
INTERPRETAÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
7. A Quarta Turma do STJ, ao julgar o REsp 1658648 SP, firmou entendimentode que a desconsideração da personalidade jurídica com base no CDC não seaplica automaticamente ao administrador não sócio. Para tanto, é imprescindívela demonstração de abuso da personalidade, desvio de finalidade ou confusãopatrimonial.
8. O TST, no julgamento do RR 00000017420175140001, estabeleceu que, mesmona Justiça do Trabalho, não se pode desconsiderar a personalidade jurídica deforma automática para atingir o administrador. É necessário comprovar atuaçãocom dolo ou culpa, contribuindo diretamente para o inadimplemento dasobrigações trabalhistas.
ANÁLISE PRÁTICA DO RISCO PARA ADMINISTRADORES INDICADOS
9. No contexto do agronegócio, é comum que, ao firmar parcerias comerciais,especialmente com empresas em dificuldades financeiras, o contratante antecipevalores e, como medida de controle, indique um administrador para atuar nagestão financeira e operacional da contratada.
10. Essa prática, se não for adequadamente formalizada e limitada, pode serinterpretada como ingerência direta, caracterizando o administrador indicadocomo administrador de fato. A Justiça do Trabalho, ao reconhecer essa condição,pode incluí-lo no polo passivo da execução trabalhista.
11. Fatores que agravam o risco:
· Ausência de delimitação contratual precisa das funções do administrador;
· Poderes amplos, inclusive decisão sobre contratação e demissão deempregados;
· Participação ativa em pagamentos e movimentação bancária;
· Falta de separação patrimonial e administrativa entre as empresas.
ESTRATÉGIAS PREVENTIVAS
a) Contratualização Estrita
· Firmar contrato de assessoria administrativa, prevendo expressamente anão integração societária;
· Definir limites operacionais e decisórios do administrador indicado.
b) Segregação Patrimonial e de Gestão
· Evitar compartilhamento de contas, bens, estruturas administrativas;
· Garantir independência formal das decisões da empresa parceira.
c) Registros e Evidências
· Registrar em atas ou relatórios todas as deliberações administrativas;
· Comprovar a atuação subordinada do administrador à diretoria da empresacontratada.
d) Compliance e Auditoria
· Implantar programa de compliance trabalhista;
· Realizar auditorias regulares para fiscalização de cumprimento deencargos e condições laborais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
12. A atuação de administradores não sócios em empresas parceiras deve sercuidadosamente planejada e executada com respaldo jurídico. A evoluçãolegislativa e jurisprudencial indica um movimento de maior rigor naresponsabilização pessoal desses agentes, sobretudo diante da naturezaalimentar do crédito trabalhista.
13. Cabe aos escritórios de advocacia, especialmente aqueles com atuação noagronegócio, promoverem treinamentos internos, alinhamento interdisciplinar erevisão contratual constante, de modo a blindar as operações comerciais eproteger os interesses dos clientes e dos gestores indicados.
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05/05/2025
Allan Modesto é advogado, graduado pela Faculdade Marechal Rondon. Pós-graduado em Direito do Agronegócio pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Atuante no setor contencioso do escritório, com foco no setor agroindustrial em direito do trabalho empresarial e conflitos contratuais cíveis.