O fator ESG nasceu em 2004 no âmago do setor financeiro internacional, por fomento do Pacto Global das Nações Unidas e em atenção aos anseios de promover e padronizar investimentos socialmente responsáveis. No entanto, com o advento da pandemia da covid-19, ascendeu como um fenômeno interinstitucional, inerente a entes diversos e empresas de todos os tipos, tamanhos e setores.
A governança socioambiental se transformou em resposta para o enfrentamento da crise sanitária que impactou não apenas a saúde das pessoas, mas também a economia global, inclusive no alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) assumidos pelos 193 Estados membros das Nações Unidas para serem cumpridos até 2030 – tendo grande parte das 169 metas sido estagnadas ou até regredidas.
Com isso, o fator ESG passou a ter um papel ainda mais desafiador no contexto de um mundo efetivamente sustentável, em que o lucro a qualquer custo não tem mais espaço.
Mas, afinal, o que se pretende com as práticas ESG é pura e simplesmente atingir as métricas (já defasadas), como visto anteriormente? Na realidade, o que se prestigia é a atividade econômico-empresarial que respeita a natureza, o meio-ambiente, os direitos humanos, as leis e a justiça social.
É inequívoca a necessidade das empresas “servirem a um propósito social”. O motor da atividade empresária é a promoção de lucro próprio. Mas ao buscar esse fim, também atinge e impacta a sociedade, via reflexa.
Nesse contexto, os direitos humanos são normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os seres humanos. Os direitos humanos regem o modo como os indivíduos vivem em sociedade e entre si, bem como sua relação com o Estado e as obrigações que o Estado tem em relação a eles.
Possibilitar o desenvolvimento individual e a autorrealização dos sujeitos constitui o verdadeiro objetivo de um tratamento igualitário entre os sujeitos de uma sociedade.
Afinal, segundo Piovesan (2018), retomando os ensinamentos de Hannah Arendt, “os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma intervenção humana, em constante processo de construção e reconstrução”.
A corroborar com o quanto aqui disposto, a Carta Constitucional sustenta, já em seus princípios fundamentais, que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, eu tenho traçado o caminho a ser seguido, na persecução dos direitos fundamentais e no alcance de sua eficácia (art. 3º, CF).
Evidente, pois, que estão eivados de fundamentalidade os direitos assegurados no artigo 5º, da CF, que não se trata de rol taxativo, o que é amplamente reconhecido pela doutrina, e também os direitos sociais, elencados no artigo 6º, os direitos dos trabalhados, conforme artigo 7º, os direitos políticos, conforme artigo 14 e seguintes, o direito ao desenvolvimento econômico sustentável, regrado no artigo 170, CF, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, transcrito no artigo 225, da CF.
Observando o texto Constitucional, é possível visualizar as implicações de uma atividade empresária e seus impactos em direitos fundamentais, seja na relação de emprego, de consumo, de proteção ambiental.
Os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos prescrevem não apenas o que deve ser feito pelo governo e pelas empresas para gerenciar melhor os riscos contra os direitos humanos, mas também ensina como fazer. São estruturados em três pilares: proteger, respeitar e reparar.
O ‘‘proteger’’ foca no papel do Estado como guardião dos indivíduos, sendo encarregado de protegê-los de violações de direitos humanos cometidas por terceiros. Porém, apesar da preocupação com a proteção desses direitos, não há qualquer previsão de um mecanismo que possa endossar a proteção individual caso o Estado seja ineficiente, além de não existir menção a mecanismos de responsabilidade extraterritorial.
O ‘‘respeitar’’ estabelece a responsabilidade das empresas em respeitar os direitos humanos, o que pode ser considerado como uma responsabilidade negativa, isto é, a de abstenção de violar os direitos humanos. Nesse contexto, apesar de mencionar a cadeia de produção, não há qualquer menção se tais prerrogativas também serão aplicadas nas subsidiárias.
O ‘‘remediar’’ representa o acesso a mecanismos de reparação por parte das vítimas através do alcance de medidas judiciais e administrativas efetivas. Tal disposição apresenta um texto muito genérico, não impondo medidas práticas e contundentes para garantir de fato a reparação.
Frise-se que são princípios passíveis de adesão, e não obrigatórios.
O Brasil, através do Decreto 9.571, de 21 de novembro de 2018, regulamentou as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, aderindo aos Princípios Orientadores, mas deixando claro que serão implementadas voluntariamente pelas empresas.
O Decreto estabelece, em seu artigo 2º, os eixos orientadores das Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, a saber:
I - a obrigação do Estado com a proteção dos direitos humanos em atividades empresariais;
II - a responsabilidade das empresas com o respeito aos direitos humanos;
III - o acesso aos mecanismos de reparação e remediação para aqueles que, nesse âmbito, tenham seus direitos afetados; e
IV - a implementação, o monitoramento e a avaliação das Diretrizes.
Destaca, em seu artigo 6º que:
É responsabilidade das empresas não violar os direitos de sua força de trabalho, de seus clientes e das comunidades, mediante o controle de riscos e o dever de enfrentar os impactos adversos em direitos humanos com os quais tenham algum envolvimento.
Nessa linha, surge a necessidade de atrelar as métricas de atendimento ao critério Social não apenas às relações de trabalho, mas inclusive à ética funcional, à ética na relação de consumo, ao bem-estar social, aos cuidados com o meio ambiente, à atenção aos direitos humanos e aos direitos fundamentais.
Possibilitar o desenvolvimento individual e a autorrealização dos sujeitos constitui o verdadeiro objetivo de um tratamento igualitário entre os sujeitos de uma sociedade.
Ora, a responsabilidade social da empresa configura direito humano em âmbito corporativo, pautado em diretivas de sustentabilidade e em medidas de adoção de políticas sociais e ambientais.
O direito humano, ao passo que interiorizado no Ordenamento Constitucional, adquire o status de direito fundamental, sendo certo que o que sustenta uma sociedade democrática é a efetividade de seus direitos fundamentais.
Direitos fundamentais são pilares basilares de uma sociedade justa, fraterna e igualitária, e asseguram o bem jurídico mais importante de uma nação minimamente organizada: a manutenção do bem estar social.
REFERÊNCIAS
ONU. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2013/12/declaracao_rio_ma.pdf. Acesso em 01fev. 2023.
PIOVESAN, Flávia. Declaração Universal dos Direitos Humanos: desafioscontemporâneos. 2018. Disponível em: https://s3.meusitejuridico.com.br/2018/12/edffa829- artigo-dh-declaracao-2018-definitivo-rev.pdf. Acesso em: 10 mar 2021.
TRIDA, Carina Alamino. Os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU e sua aplicação como nova ferramenta para a efetivação dos direitos dos trabalhadores. DIGE - Direito Internacional e Globalização Econômica - v. 8 n. 8 (2021): Edição anual contínua(2021). São Paulo - São Paulo / Brasil
Janaína Stein
13/04/2023