Caro leitor, imagine a seguinte situação: um produtor rural paulista atuando na produção de cereais em uma área de 900 alqueires começa a se “organizar” para dobrar sua capacidade de produção para a próxima safra. Porém, se sabe que atualmente esse produtor não possui planejamento estratégico, fluxo de caixa, e, pior, não tem uma estrutura de custos bem definida. Além disso, o único risco que passa por sua cabeça é o climático.
A pergunta é: se ele iniciar esse projeto sem o planejamento adequado qual será o resultado disso?
Bom, antes de respondermos a essa pergunta gostaria de propor de maneira despretensiosa um breve aprofundamento sobre os cinco pilares do Agronegócio e quais perguntas permeiam um potencial planejamento estratégico.
PRIMEIRO PILAR: CRÉDITO
Vamos iniciar com o mais falado, mais buscado e, talvez, o mais lamentado, o crédito. Sem dúvida, o crédito é um dos mais importantes pilares do Agronegócio, isto porque a necessidade de capital para o desenvolvimento da atividade rural é grande, intensiva e, para alguns, ilimitada Aliás, uma de nossas bandeiras é exatamente abrir os olhos de nossos interlocutores para as mudanças do crédito rural no Brasil, que indubitavelmente tem convergido de crédito público para privado, inclusive com a criação e aprimoramento dos títulos de crédito do Agronegócio (CPR, CPR-Financeira, CPR com correção/variação cambial, CRA, WA, CDCA, LCA, FIAGRO, entre outros).
Cientes de que o crédito, em uma perspectiva de busca por capital de terceiros, é elemento fundamental para o exercício da atividade econômica no Agronegócio, vamos entender um pouco das grandezas envolvidas. Bom, considerando hipoteticamente que a média de custos para o desenvolvimento de 900 alqueires de soja na região de Avaré – SP, para o mês de dezembro de 2021, seja de R$ 6.500 por hectare, temos que este produtor necessitará de um capital ou crédito de aproximadamente R$ 14.168.700. Sabendo, portanto, que a necessidade de capital é relativamente alta, a primeira decisão a ser tomada por esse produtor será a respeito da utilização de capital próprio ou de terceiros.
Fato é que, optando-se pela utilização de capital de terceiros, estaremos diante da necessidade da concessão de crédito que poderá ser fomentado por diversos personagens, desde instituições financeiras públicas, cooperativas, até instituições privadas e mercado de capitais. Mas qual será a melhor taxa de juros? Que tipo de garantia será requerida? Qual o prazo para amortização? Qual instrumento utilizar? Como está o rating da minha operação? Bom, e se a opção for a atualização de capital próprio. Qual será o custo de oportunidade? Portanto, essas questões devem ou deveriam ser abordadas pelo nosso produtor no presente caso hipotético. No mais, caro leitor, não há fórmula mágica e será preciso analisar cada estrutura e operação individualmente.
SEGUNDO PILAR: CAPITAL HUMANO
Já neste tópico, a preocupação passa ter um contexto um pouco mais subjetivo, isto porque, a contratação de mão de obra especializada, de qualidade, honesta e profissional, permeia diversos fatores que, diferentemente do crédito, não são de natureza objetiva. A evolução tecnológica, a mecanização e a utilização de aparatos digitais, inclusive para atividades que até então eram denominadas “manuais”, criaram uma nova demanda para o Agronegócio com a necessidade de utilização de mão de obra altamente especializada, valorizada e com alto grau de concorrência.
Mas afinal, a demanda é um sinal de preocupação? Não! É sinal de planejamento.
Fato é que, uma estrutura de capital humano bem definida traz ganhos significativos para o desenvolvimento da atividade rural. Então, vamos lá, o que considerar? Primeiro: a estrutura de capital humano necessária para o desenvolvimento da atividade projetada, ou seja, quantas pessoas são necessárias? Qual precisa ser o nível de conhecimento? Qual a estrutura de eventuais cargos gerenciais? Quais tipos de perfis e profissionais?
Segundo: a estrutura jurídica e de remuneração, ou seja, qual tipo de contrato de trabalho (contrato por prazo determinado ou indeterminado)? Qual será a política de remuneração? E qual será a política para retenção de talentos? Por fim, é preciso fazer um mapeamento dos riscos e regras que serão aplicadas na relação de trabalho, o que denominamos Compliance Trabalhista.
TERCEIRO PILAR: CÂMBIO
A grande maioria das commodities agrícolas são fixadas via negociação em bolsas internacionais, seja porque são regidas pelo livre mercado ou porque são regidas pela lei da oferta e da procura, e da política monetária mundial. Por exemplo, para cultura de grãos temos a bolsa de Chicago, já para o açúcar, a bolsa de Nova York, entre outros. É certo que o câmbio tem total impacto no planejamento econômico de qualquer investimento atrelado ao mercado internacional, especialmente no Agronegócio, portanto, a taxa de câmbio impacta tanto na venda dos produtos do Agronegócio, quanto na compra de insumos.
A variação cambial afeta os custos de produção das principais commodities agropecuárias no Brasil, porque ao mesmo tempo em que a valorização do real reduz os custos de produção, por outro lado impacta frontalmente o preço dos produtos no momento da venda.
Mas vamos para a prática: utilizando nosso caso hipotético, vamos pensar que nosso investidor adquiriu o volume de insumos necessários para produção dos 900 alqueires a uma taxa de câmbio de R$/US$ 5,45 no momento da venda. Se após toda evolução do ciclo, a taxa de câmbio despencar e somar o valor de R$/US$ 4,65, o raciocínio será que o custo para implantação da cultura foi muito acima do que o retorno esperado no momento da venda.
QUARTO PILAR: CONTRATOS
Já o quarto pilar está muito atrelado à efetivação das tratativas e negociações ao longo do desenvolvimento do projeto. É certo que os contratos escritos nada mais são do que a própria materialização da vontade dos contratantes, visando operar, na grande maioria das vezes, regras a curto e longo prazo até a conclusão do negócio. Os contratos estão presentes em praticamente todos os atos da atividade rural e podem dar início a uma relação entre produtor e terra (contratos de parceria e arrendamento), ao desenvolvimento da atividade (contratos de prestação de serviços, contrato de barter, financiamento entre outros), até a venda futura dos produtos frutos da exploração da terra (contratos de venda futura).
Mas os riscos podem ser provisionados ou mitigados via elaboração de contrato?
Na prática, quando falamos de uma negociação, possuímos duas ou mais partes com interesses, direitos e obrigações recíprocas, ou até mesmo de certa forma contrapostos, e esse complexo de interesses precisa necessariamente estar devidamente elucidado e bem delimitado entre os contratantes, sob pena de ver instalado um conflito culminando potencialmente na ruptura da relação, com nada mais nada menos do que prejuízo.
Vamos voltar novamente ao nosso caso hipotético: imaginem que o produtor, após a realização de todo investimento para desenvolvimento da cultura de cereais nos 900 alqueires mencionados, venha a enfrentar algum tipo de litígio com o proprietário da área arrendada ou cedida em parceria. O que estará em risco? Quais as chances da ocorrência de algum tipo prejuízo?
Bom, a resposta tende a ser negativa, pois o contrato, por si, não garante a ausência de risco. No entanto, sua elaboração de acordo com as regras jurídicas adequadas, a clareza no desenvolvimento das cláusulas negociais, o diálogo totalmente aberto entre os contratantes e, principalmente, a gestão dos contratos, seja na fase prévia, durante ou mesmo na pós-negociação, tende a trazer no mínimo previsibilidade de potenciais riscos e vedação de consequências negativas.
QUINTO PILAR: GESTÃO
Por fim, a palavra gestão está totalmente atrelada ao conceito de gerenciamento de recursos, e sabemos que os recursos no Agronegócio são abundantes. Em uma perspectiva administrativa, a gestão pode ser de custos, financeira, logística, pessoas, qualidade, entre outras. Por outro lado, na perspectiva jurídica: redução e mitigação de riscos de diversas naturezas, compliance, proteção de dados, propriedade intelectual, financiamento, crédito, contratos, ambiental, entre diversos outros. Pensando que o crédito, capital humano, contratos, capital (câmbio), insumos, estoques, culturas, resíduos, entre diversos outros recursos devem ser geridos no Agronegócio, qual seria o modelo ideal de gestão? Infelizmente não há modelo pronto para uma gestão eficaz no Agronegócio, até porque as variáveis são infinitas.
E agora o desfecho da nossa história...
Após percorrermos os cinco pilares do Agronegócio e, que se frise, não são os únicos, vamos para a pergunta: é possível constatarmos que caso o produtor rural opte por iniciar seu projeto sem o planejamento adequado irá colher os melhores frutos, digo, máxima rentabilidade, maximização da produtividade, redução de custos e, principalmente, a perpetuidade do seu negócio?
O Agronegócio tem exigido a maximização da gestão dos recursos, e isso veio para ficar. Não é por acaso que nas últimas décadas houve um aumento na produtividade e pouco aumento na ocupação territorial rural, fruto inclusive da melhor utilização dos recursos tecnológicos para o aumento da produtividade.
Fato é que, a melhor oportunidade para gerenciamento do risco, melhora na produtividade e rentabilidade é o completo entendimento que a atividade no Agronegócio precisa estar fundamentada nos cinco pilares brevemente explorados.
Espero que essa breve reflexão despretensiosa nos estimule a tecer um olhar multidisciplinar sobre nossa atualização e posição como players no Agronegócio, porque para nós: o agro é tech, o agro é pop, o agro é direito!
William Martinez
14/06/2022