A recuperação judicial é umprocesso legal pelo qual empresas em dificuldades financeiras podem buscar areorganização de suas dívidas e negociações com seus credores, com o objetivode evitar a falência e reestruturar sua atividade empresarial. O agronegócio,por sua vez, é o setor econômico mais rentável de nosso país, englobandodiversas atividades relacionadas à produção, processamento e comercialização deprodutos agrícolas, dentre outras diversas inerentes ao ramo. Sem dúvida,apesar de toda a crise econômica que estamos experimentando, o país continuacrescendo e não há dúvida que esse crescimento é devido a força do campo.
No contexto da recuperaçãojudicial, o agronegócio apresenta características peculiares que merecemdestaque. Isso porque muitas empresas do setor possuem dívidas elevadas, geralmentedecorrentes de investimentos em maquinário, infraestrutura e tecnologia, alémde fatores externos como mudanças climáticas e variações no preço dascommodities, tais como ração, adubo, suplementos, defensivos e etc. Dessaforma, a recuperação judicial pode ser uma alternativa interessante paraempresas do agronegócio que enfrentam dificuldades financeiras, pois permiteque elas negociem suas dívidas e busquem reestruturar suas atividades pararetomar a rentabilidade e a sustentabilidade de seus negócios.
Nesse sentido, merece destaque aLei n.º 14.112/2020, que promoveu algumas alterações significativas na Lei deRecuperação Judicial e Falência (Lei nº 11.101/2005), que causaram um impacto diretono agronegócio, especialmente no que se refere ao aprimoramento do processo derecuperação judicial e aumento da segurança jurídica para os credores, sendouma das principais mudanças a inclusão do produtor rural como empresário,possibilitando que ele possa se valer do processo de recuperação judicial parareorganizar suas dívidas e negociações com seus credores. Cabe ressaltar que,antes da lei, o produtor rural não era considerado empresário para fins derecuperação judicial, o que gerava insegurança jurídica e impedia a adesão demuitos produtores ao processo.
Para além das questões legaispertinentes às mudanças implementadas pela Lei n.º 14.112/2020, é precisoanalisar ainda o cenário avassalador em termos econômico-financeiros que apandemia da covid-19, instaurada no Brasil (e no mundo) desde março de 2020,trouxe consigo, em relação a um aumento no número de pedidos recuperacionais, oque, certamente, motivou o legislador a fazer com que a nova normativa buscassetrazer procedimentos mais atrativos aos empresários e ampliasse as garantiasjurídicas por meio de práticas mais acessíveis e de fácil negociação para aspartes (devedores e credores) e, em complemento, também procuraram estenderesses benefícios ao produtor rural.
A partir desse contexto, osprodutores rurais (pessoa física) passaram a ser beneficiados pelas alteraçõesimplementadas pela nova lei. Agora, não é mais preciso o seu registro perante aJunta Comercial para requerer a concessão do instituto da recuperação judicial,bastando apenas que ele comprove, de qualquer maneira, o exercício de suaatividade rural por pelo menos dois anos.
Contudo, este requisito processualgera certas dificuldades em alguns momentos para o produtor rural. Isto porque,conforme dados do Serasa Experian, a grande maioria dos produtores ruraisbrasileiros atuam como pessoas físicas, e, em sua grande maioria, no regimefamiliar. Assim, sem registro mercantil e atuando em regime familiar na maioriadas vezes, os produtores rurais tem menos burocracia no que diz respeito ao arquivamentode documentos contábeis ou demonstrativos de sua atividade empresarial, o quedificulta ainda mais obter uma visão detalhada de sua economia.
Em outros termos, levando emconsideração a informalidade da atividade do produtor rural pessoa física, háuma carência no momento do pedido da recuperação judicial de certos documentosexigíveis para tanto, tais como um balanço patrimonial, por exemplo, quedemonstre, explicitamente, quando e como ele passou a contrair dívidas que olevaram ao inadimplemento, o que dificulta também a comprovação do exercício desua atividade por mais de dois anos.
Em razão disso, a partir do momento que oprodutor rural adota uma governança corporativa mais rígida em seu negócio,automaticamente irá contribuir para que ele obtenha uma visão mais adequada dospormenores de sua atividade, com todos seus documentos devidamente organizados,facilitando consequentemente o cumprimento do requisito de demonstração deexercício da atividade por pelo menos dois anos para a concessão da recuperaçãojudicial.
Outro ponto ainda chama atençãocom o advento da nova Lei, sendo este, contudo, não tão positivo quanto oprimeiro para o produtor, no que diz respeito a quais créditos estão sujeitosao concurso de credores.
A nova legislação estabeleceu quenão estão sujeitos à recuperação judicial do produtor rural os créditos quedecorram de outra atividade que não seja a rural, assim como aqueles relativosà dívida constituída nos 3 últimos anos anteriores ao pedido de recuperaçãojudicial, que tenha sido contraída com a finalidade de aquisição depropriedades rural, com as respectivas garantias.
Ainda, não estarão sujeitos àrecuperação judicial também os créditos oriundos de garantias cedulares comliquidação física, caso tenha havido antecipação parcial ou integral do preço,por parte do credor garantido. Mesma situação se faz com a chamada operação“barter”, na qual o credor financiador adianta ao produtor rural insumos e nãonumerário.
Assim, aufere-se que as alterações advindas com alei 14.112/2020 trouxeram significantes avanços para o ingresso do produtorrural ao instituto da recuperação judicial, ao passo que, muitos produtoresrurais que vinham enfrentando dificuldades financeiras, terão, agora de formasimplificada e regulamentada, a faculdade de ingressar com a demanda darecuperação judicial, instituto que traz extrema segurança e benefícios para oempresário rural e para a economia nacional. Contraditório apenas o fato deque, levou-se em consideração a diminuição da burocracia para o acesso aoinstituto pelo produtor rural, ampliando a gama de legitimados para requerê-la,ao mesmo tempo em que excluiu diversos créditos do concurso de credores, fatoque dificulta a vida do produtor ao ter que lidar com a possibilidade deajuizamento de diversas ações apartadas dos autos da recuperação judicial.
João Guilherme
16/11/23