Vários motivos levaram os produtores brasileiros a auferirem, de forma geral, margens menores na venda de suas safras em 2023. Entre esses motivos, destacam-se os crescentes custos de produção, a queda no preço de negociação de diversas commodities, adversidades climáticas e a desvalorização do Dólar, que foram determinantes na limitação da capacidade dos produtores de saldarem suas dívidas. Isso é indicado pelo índice de inadimplência medido pela Serasa Experian, que chegou a alcançar o patamar de 28% no setor, abrindo caminho para medidas como a Recuperação Judicial. Assim, esse instrumento jurídico recuperacional tomou grande proporção no meio agropecuário nacional, registrando um aumento de 300% em 2023 em relação ao ano anterior. Esse reflexo vai além da crise setorial mencionada anteriormente e encontra raízes nas recentes alterações legais da Lei Federal 11.101/05 (Lei de Falências e Recuperações Judiciais) feitas em 2021, que proporcionaram maior segurança para que produtores rurais pessoas físicas pudessem se valer desse instituto. Essa temática, que anteriormente fora objeto de conturbadas discussões jurisprudenciais, agora está consolidada positivamente na forma de texto normativo.
No entanto, apesar de consistir em um avanço legislativo, nota-se a grande quantidade de empresas do setor que, abaladas pela conjuntura atual, recorreram à Recuperação Judicial. Todavia, observa-se que muitas vezes há a banalização da função primordial desse instituto, uma vez que a mera instauração de uma Recuperação Judicial pode não ser a melhor solução para superar a situação de crise econômico-financeira do devedor. A instauração desse processo recuperacional como primeira medida salvadora gera altos custos, limita a atuação do recuperando em negociações individuais com credores, publiciza a situação gerando custos reputacionais, além de aumentar os riscos sistêmicos da cadeia agroindustrial, reduzindo sua eficiência.
Esse fato nos ajuda a evidenciar um aspecto pouco ponderado em toda a cadeia agropecuária: o aumento do risco sistêmico setorial. A atual onda de Recuperações Judiciais, somada a características inerentes ao setor como o risco agrobiológico, a intensidade de uso de capital e a ciclicidade, faz com que os credores passem a exigir maiores garantias para concessão de empréstimos e aumentem o nível de juros para compensar o risco de inadimplência. Tais medidas geram inseguranças em diferentes elos da cadeia agroindustrial. Inicialmente, elas diminuem as já apertadas margens dos produtores rurais, que por sua vez reduzem o volume de compra de seus fornecedores, que muitas vezes são credores desses produtores, haja vista operações como Barters e CPRs, e por fim, atingem até industrializadores e consumidores finais, que podem ver os preços dos produtos aumentarem.
Portanto, um dos remédios para reduzir o alto risco do setor agropecuário é tratar de forma consciente o instituto da Recuperação Judicial, não o considerando como panaceia da insolvência perante os credores, e sim lançando mão de seus artifícios perante as primeiras dificuldades financeiras encontradas. Existem diversos mecanismos que podem ajudar o produtor a se reestruturar em momentos de crise e evitar o risco sistêmico, como a renegociação extrajudicial (Workouts), que por meio de diversos mecanismos contratuais pode reavaliar a taxa de juros das dívidas, realizar acordos que postergam a possibilidade de execução das dívidas (standstill agreements), ou ainda, mecanismos preventivos de risco, como uma boa gestão contábil e jurídica da operação ou a contratação de um seguro agrícola.
Ref:
https://www.conjur.com.br/2023-jul-25/lei-rj-deu-seguranca-produtor-rural-advogado/
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm
Victor Belmonte
28/03/2024