O precedente firmado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), na sessão de 6 de junho de 2025, no Acórdão nº 2102-003.752, voltou a colocar em evidência a fronteira que separa os contratos de parceria rural e de arrendamento. Nesse julgamento, o órgão manteve, por unanimidade, a autuação fiscal que reclassificou como arrendamento um contrato firmado em 2007 e originalmente denominado “Parceria Agroflorestal”.
O caso analisado pelo CARF e seus fundamentos
O litígio teve origem em um auto de infração lavrado pela Receita Federal em 23 de outubro de 2014, que cobrou do produtor rural Luiz Carlos Gibson o valor total de R$ 431.911,69, relativos ao Imposto de Renda Pessoa Física dos anos-calendário 2009 e 2010. O Fisco constatou que o produtor havia omitido renda de aluguel e apurado incorretamente receitas da atividade rural, aplicando-lhe, além disso, multa de ofício.
O contrato em questão (Contrato nº 144/2007) havia sido celebrado entre Gibson ea Klabin para reflorestamento de 600 hectares na Fazenda Santa Luzia. Embora o contrato previsse formalmente que o proprietário participaria com 54% da futura madeira produzida, a fiscalização verificou que a Klabin assumia integralmente os custos, riscos e decisões operacionais sobre o manejo florestal. Gibson, por sua vez, recebia pagamentos mensais fixos, atualizados com base na cotação da soja.
Essa constatação levou os conselheiros a concluir que não havia o elemento essencial da parceria rural: a divisão efetiva dos riscos da atividade. O CARF destacou que, na parceria, o proprietário deve estar sujeito às oscilações naturais do negócio, enquanto no arrendamento recebe uma remuneração fixa, independentemente dos resultados. Com base nisso, os rendimentos de Gibson foram tributados como aluguel, sob a tabela progressiva do IRPF, e não como receita de atividade rural.
Principais diferenças entre parceria e arrendamento
A decisão do CARF evidencia diferenças importantes entre parceria e arrendamento. Sob o ponto de vista econômico-operacional, a parceria pressupõe uma efetiva divisão dos riscos entre as partes envolvidas, já que ambos compartilham resultados positivos ou negativos da produção. Já o arrendamento caracteriza-se pela transferência total dos riscos para quem explora a terra, cabendo ao proprietário apenas o recebimento de um valor fixo ou previamente ajustado.
Do ponto de vista tributário, as implicações também são expressivas. Na parceria rural, cada parceiro tributa sua parte conforme os resultados obtidos na safra, usufruindo benefícios fiscais próprios da atividade rural, como o abatimento de despesas de custeio. Já no arrendamento, o proprietário tributará os valores recebidos como aluguel, sujeitos à incidência mensal do carnê-leão ou retenção na fonte, perdendo, assim, as vantagens tributárias da atividade rural.
Alerta aos produtores e empresas: substância prevalece sobre a forma
Ao rejeitar o recurso apresentado pelo contribuinte, o CARF reafirmou a importância da doutrina jurídica da “substância sobre a forma”, deixando claro que o nome atribuído aos contratos não prevalecerá sobre a realidade dos fatos. Esse entendimento acende um alerta importante para empresas agroindustriais e produtores rurais, especialmente em operações que envolvam pagamentos periódicos fixos e promessas futuras de participação na produção. Contratos que não demonstrem de forma inequívoca a divisão de riscos correm o risco de serem reclassificados pela Receita Federal.
Diante desse cenário, é fundamental que produtores rurais, investidores e companhias florestais revisem cuidadosamente seus contratos. Mais do que nunca, é necessário garantir que as cláusulas contratuais, os fluxos financeiros e as formas de gestão sejam plenamente coerentes com a atividade efetivamente praticada. Ajustar antecipadamente o enquadramento contratual e tributário é medida imprescindível para evitar futuras contingências fiscais.
Acesse a integra do acordão no link abaixo:
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06/08/2025
Victor Belmonte, é acadêmico de Direito pelo INSPER, com previsão de conclusão do curso em dez/2025, cursou o oitavo semestre na Università Commerciale Luigi Bocconi, em Milão, Itália, como parte de um programa de intercâmbio. Presidente Jurídico do AgroInsper. Auxilia os advogados no setor consultivo das diversas áreas do direito, com enfoque no agronegócio e instrumentos creditícios.