As Declarações e Garantias (D&G), também conhecidas como Representations and Warranties, são cláusulas indispensáveis em praticamente todas as operações de Fusões e Aquisições (M&A). Elas têm a função de assegurar ao comprador que as informações fornecidas sobre a empresa ou os ativos objeto da transação são verdadeiras e completas, atribuindo ao vendedor a responsabilidade por eventuais omissões, inexatidões ou falsidades. Na prática, sem a presença de D&G, o adquirente assumiria a sociedade no estado em que ela se encontra, herdando todos os passivos e contingências, ainda que ocultos. Por isso, as D&G são vistas como um dos principais mecanismos de alocação de riscos e de proteção das partes envolvidas, trazendo previsibilidade e segurança jurídica para a negociação.
Origem e Enquadramento Normativo
Embora tenham origem no sistema da common law, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, as Declarações e Garantias foram incorporadas ao direito contratual brasileiro como reflexo das práticas de mercado. Em nosso sistema de civil law, sua função conecta-se diretamente a princípios já positivados no Código Civil, como a boa-fé objetiva, o dever de informar e a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Assim, ao lado da due diligence, as D&G representam uma segunda camada de segurança, reforçando a transparência e a lealdade entre as partes.
Estrutura e Construção das Cláusulas
Na construção contratual, as cláusulas podem variar desde versões sintéticas, que resumem obrigações de maneira abrangente, até formatos analíticos, que detalham minuciosamente aspectos societários, trabalhistas, fiscais, ambientais e regulatórios da empresa. É comum também o uso de cláusulas genéricas, conhecidas como catch-all, que buscam cobrir situações não previstas, embora seu valor informacional seja limitado. Outro mecanismo usual é a inserção de qualificadores de conhecimento, pelos quais a responsabilidade do vendedor se restringe ao que ele sabia ou deveria saber mediante diligência razoável.
Para equilibrar responsabilidades, as D&G geralmente são acompanhadas de instrumentos de modulação que delimitam o alcance das indenizações. Um dos mais comuns é o limite máximo de indenização, conhecido como cap. Trata-se de um teto financeiro estabelecido contratualmente para a responsabilidade do vendedor. Por exemplo, em uma operação de R$ 200 milhões, as partes podempactuar que o vendedor responderá, no máximo, até 20% desse valor em eventuais indenizações, protegendo-o de uma exposição ilimitada a riscos pós-fechamento.
Outro mecanismo bastante utilizado são os valores mínimos de indenização, chamados de baskets. Funcionam como uma espécie de franquia contratual: o comprador só pode reclamar indenização se o conjunto das perdas superar determinado valor mínimo. Isso evita que o vendedor seja acionado por questões de pequena monta ou por contingências irrelevantes no contexto do negócio.
Há também a figura do de minimis, cláusula que exclui indenizações por perdas muito pequenas e isoladas. Diferente do basket, que considera o valor agregado de várias perdas, o de minimis impede que cada pequeno evento, por si só, gere obrigação de indenizar. É como se estabelecesse um “piso” individual para cada reclamação, garantindo que apenas eventos de maior relevância sejam efetivamente discutidos.
Por fim, são comuns as limitações temporais para a responsabilização, que funcionam como prazos prescricionais convencionais. Geralmente, variam de cinco a dez anos, a depender do tipo de passivo. Questões fiscais e ambientais, por exemplo, costumam ter prazos mais longos, em razão da legislação específica que rege a matéria e do risco prolongado que representam. Já matérias trabalhistas ou contratuais podem ser limitadas a períodos mais curtos, refletindo o tempo médio em que tais riscos se materializam.
Em conjunto, esses mecanismos desempenham um papel crucial: reduzem o potencial de litígios longos, oferecem maior previsibilidade aos vendedores e dão clareza ao comprador quanto ao alcance efetivo de sua proteção. Mais do que cláusulas de estilo, eles traduzem a lógica de eficiência econômica das operações de M&A, equilibrando a necessidade de proteção do investidor com a preservação da atratividade da venda.
Sandbagging
Um ponto de especial relevância é a chamada cláusula de sandbagging. Ela permite ao comprador reclamar indenização mesmo quando já tinha conhecimento de determinado passivo ou contingência antes do fechamento da operação. A matéria ainda gera debates no Brasil: sem previsão expressa, prevalece o entendimento de que não há direito à indenização se o comprador já tinha ciência do risco, razão pela qual o tratamento contratual desse tema é essencial para evitar disputas posteriores.Relevância no Agronegócio
No setor do agronegócio, as D&G assumem uma dimensão estratégica. Isso porque as operações geralmente envolvem ativos de grande complexidade regulatória, como imóveis rurais sujeitos a restrições ambientais e fundiárias, contratos de fornecimento e exportação condicionados a registros em órgãos como MAPA e ANVISA, além de maquinário e infraestrutura agrícola que exigem regularidade trabalhista e registral. Some-se a isso a questão da aquisição de terras por estrangeiros, regulada pela Lei nº 5.709/1971, e a multiplicidade de órgãos de fiscalização, como IBAMA e INCRA. Nesse cenário, a assimetria informacional entre vendedor e comprador é acentuada, e os riscos de passivos ocultos, como multas ambientais ou irregularidades fundiárias, tornam-se elevados.
Não raro, a judicialização de cláusulas de Declarações e Garantias no agronegócio compromete a segurança da operação, trava investimentos e limita o acesso ao crédito, impactando toda a cadeia produtiva. É por isso que a elaboração cuidadosa dessas cláusulas, adaptada à realidade concreta do negócio, é indispensável. Mais do que instrumentos padronizados, as D&G precisam ser estrategicamente desenhadas para refletir as especificidades de cada operação, equilibrando a proteção das partes e garantindo maior segurança jurídica.
Em síntese, as Declarações e Garantias não são apenas formalidades contratuais. Elas constituem um dos principais pilares das operações de M&A no Brasil, sobretudo no agronegócio, onde riscos regulatórios e ambientais podem comprometer toda a viabilidade do negócio. A correta estruturação dessas cláusulas pode ser decisiva para o sucesso da transação, evitando litígios e garantindo que os investimentos sejam realizados em bases sólidas.
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26/08/2025
Victor Belmonte, é acadêmico de Direito pelo INSPER, com previsão de conclusão do curso em dez/2025, cursou o oitavo semestre na Università Commerciale Luigi Bocconi, em Milão, Itália, como parte de um programa de intercâmbio. Presidente Jurídico do AgroInsper. Auxilia os advogados no setor consultivo das diversas áreas do direito, com enfoque no agronegócio e instrumentos creditícios.