Ontem (30/09/2024), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Resolução CVM nº 214, de 30 de setembro de 2024, que trata dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGRO). Esta nova regulamentação traz mudanças significativas no arcabouço legal que regula os FIAGRO, refletindo o progresso deste importante instrumento para a captação de recursos destinados ao agronegócio, um setor crucial para a economia brasileira.
A nova resolução permite uma maior diversificação dos ativos que podem compor a carteira dos FIAGRO, incluindo imóveis rurais, direitos creditórios do agronegócio (CDCA, CRA, entre outros), além de títulos e valores mobiliários relacionados ao setor, incentivando a sustentabilidade na agenda contínua da CVM.
Além disso, a Resolução CVM nº 214 reforça a obrigatoriedade de governança e transparência no regime informacional dos prestadores de serviços, impondo requisitos mais rigorosos quanto à divulgação de informações aos investidores.
A) Questões estruturais do FIAGRO: A Resolução CVM nº 214 permite uma carteira mais flexível e diversificada. Se uma classe de cotas do FIAGRO tiver uma política de investimento que permita a aplicação de mais de 50% do seu patrimônio líquido em ativos que também sejam objeto de investimento de outra categoria de fundo, deve seguir subsidiariamente as regras aplicáveis à respectiva categoria, prevalecendo, em caso de conflito, as regras do Anexo Normativo VI da Resolução CVM nº 175.
Para fins do disposto acima, caso um ativo possa fazer parte da carteira de mais de uma categoria de fundo, o regulamento deve indicar expressamente a categoria a que o ativo pertence, considerando a política de investimento da classe de cotas do FIAGRO. Ativos com a mesma natureza não podem ser indicados em categorias distintas no âmbito da mesma classe de cotas.
Por fim, devem estar previstos os limites máximos de aplicação por modalidade de ativo, em função de um percentual do patrimônio líquido, e os limites máximos de aplicação por emissor ou devedor, conforme o caso, em função de um percentual do patrimônio líquido. No caso de aplicação do artigo 2º do Anexo Normativo VI da Resolução CVM nº 214, os limites previstos na política de investimentos, nos termos do § 3º do mesmo dispositivo, devem ser aderentes aos limites previstos no Anexo Normativo subsidiariamente aplicável.
B) Maior abrangência da carteira em uma mesma estrutura: A nova resolução permite uma maior diversificação dos ativos que podem compor a carteira dos FIAGRO, abrangendo desde imóveis rurais, direitos creditórios do agronegócio, até títulos e valores mobiliários relacionados ao setor. A classe de cotas pode aplicar recursos em cotas de fundos de investimento em renda fixa e títulos de renda fixa para fins de liquidez e pode alocar recursos em instrumentos financeiros derivativos para proteção patrimonial.
A relação de ativos que podem constar da carteira do FIAGRO inclui:
a. Quaisquer direitos reais sobre imóveis rurais;
b. Participações em sociedades que explorem atividades integrantes das cadeias produtivas do agronegócio;
c. Ativos financeiros, títulos de crédito e valores mobiliários emitidos por pessoas naturais e jurídicas que integrem as cadeias produtivas do agronegócio;
d. Direitos creditórios do agronegócio e direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais;
e. Certificados de recebíveis do agronegócio e outros títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio e certificados de recebíveis imobiliários e outros títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios relativos a imóveis rurais;
f. Certificados de recebíveis e outros títulos de securitização emitidos com lastro em ativos financeiros emitidos por pessoas naturais ou jurídicas que integrem as cadeias produtivas do agronegócio;
g. Cotas de classes que apliquem mais de 50% do seu patrimônio líquido nos ativos referidos nos incisos anteriores, incluindo cotas de outros FIAGRO;
h. Créditos de carbono do agronegócio; e
i. Créditos de descarbonização - CBIO.
B.1) Introdução dos créditos de carbono do agronegócio: são títulos representativos da redução efetiva da emissão ou remoção de gases de efeito estufa da atmosfera. A política de investimentos do FIAGRO deve especificar como o administrador exercerá controle sobre a titularidade dos créditos e definir as metodologias aceitas para certificação da redução ou remoção de gases.
A certificação deve ser concedida por instituição que não seja parte relacionada ao gestor e possua capacidade técnica e operacional compatível com o serviço. Caso a denominação do fundo ou da classe de cotas contenha referência a “carbono” ou qualquer outro termo correlato à redução ou remoção de gases do efeito estufa, o regulamento deve especificar como a política de investimento contribui para que a redução ou remoção de gases ocorra.
B.2) Definição de imóvel rural: Foi inserida o conceito de imóvel rural para fins de investimento do FIAGRO, considerando como tal o imóvel que possui Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) ou que, localizado em perímetro urbano, seja destinado à exploração de atividades das cadeias produtivas do agronegócio.
Além disso, é considerado imóvel rural o imóvel que possua depósito de água não marinha, natural ou artificial, para utilização em atividades de piscicultura ou aquicultura, sem prejuízo da necessidade de estar inscrito no cadastro ou registro de imóveis competente.
C) Possiblidade da constituição apenas com um Administrador Fiduciário: Se a política de investimento do FIAGRO não permitir a aplicação de mais de 5% do patrimônio líquido em ativos que não seja direitos reais sobre imóveis rurais, o fundo pode ser constituído por deliberação exclusiva do administrador fiduciário, que será o único prestador de serviços essenciais.
D) FIAGROs pulverizados: Para o FIAGRO destinado ao público em geral, há restrições e medidas que devem ser observadas na estruturação, alocação e monitoramento do veículo. A política de investimento não pode prever a aplicação de recursos em ativos inelegíveis para o público em outras categorias de fundos.
O administrador e o distribuidor da classe de cotas destinada ao público em geral devem disponibilizar uma versão atualizada da lâmina de informações básicas. O prazo de carência da classe ou subclasse aberta destinada ao público em geral, se houver, em conjunto com o prazo total entre o pedido de resgate e seu pagamento, não podem totalizar um prazo superior a cento e oitenta dias.
E) Integralização em ativos: A integralização em ativos deve constar do regulamento e ser realizada com base em laudo de avaliação elaborado por empresa especializada e aprovado pela assembleia de cotistas.
O laudo de avaliação da integralização em imóvel rural deve ser elaborado de acordo com o Suplemento H da Resolução CVM nº 175, com exceção das informações protegidas por sigilo ou que prejudiquem a estratégia de investimento. A aprovação do laudo de avaliação pela assembleia de cotistas não é requerida quando se tratar de ativo que constitua a destinação de recursos da oferta pública de distribuição de cotas constitutivas do patrimônio inicial da classe.
Ainda, desde que se trate de classe restrita, o laudo de avaliação para integralização de cotas em ativos pode ser dispensado pela assembleia de quotistas mediante sua aprovação em relação ao valor atribuído ao ativo.
F) Representante de Cotistas: A assembleia de cotistas pode eleger representantes para acompanhar e fiscalizar os empreendimentos ou investimentos da classe de cotas, em defesa dos direitos e interesses dos cotistas. A eleição de representante dos cotistas pode ser aprovada pela maioria dos cotistas presentes que representem, no mínimo: (a) 3% do total de cotas emitidas, quando a classe tiver mais de cem cotistas; ou (b) 5% do total de cotas emitidas, quando a classe tiver até cem cotistas.
Somente pode exercer a função de representante dos cotistas, pessoa natural ou jurídica, que atenda aos seguintes requisitos:
a. Ser cotista da classe de cotas;
b. Não exercer cargo ou função em prestador de serviço essencial e sociedades de seu grupo econômico, ou prestar-lhes serviços de qualquer natureza;
c. Não exercer cargo ou função em prestador de serviços da classe de cotas;
d. Não ser administrador ou gestor de outros FIAGRO;
e. Não estar em conflito de interesses com a classe de cotas;
f. Não estar impedido por lei ou ter sido condenado por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato, contra a economia popular, a fé pública ou a propriedade, ou a pena criminal que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos;
g. Não ter sido condenado a pena de suspensão ou inabilitação temporária aplicada pela CVM.
A CVM introduziu uma nova regra de conflito e de práticas não equitativas. O artigo 26 do Anexo Normativo IV aduz que, para fins de caracterização do ilícito de negociação com uso indevido de informação privilegiada, presume-se que representante dos cotistas que se afasta da função dispondo de informação relevante e ainda não divulgada se vale de tal informação caso negocie cotas da classe afetada no período de três meses contados do término de seu afastamento da função.
G) Pontos de atenção para o Gestor: A Resolução CVM nº 294 impõe novas responsabilidades ao gestor, tanto na aquisição quanto no monitoramento dos ativos. Entre as principais obrigações estão:
a. Na execução da política de investimentos, o gestor deve garantir que a composição da carteira de ativos não altere o tratamento tributário da classe ou dos cotistas, conforme a legislação aplicável ao FIAGRO.
b. O gestor deve assegurar a preservação da integridade fundiária e ambiental do imóvel rural.
c. Para a parte da carteira composta por participações societárias em empresas fechadas e sociedades limitadas, o gestor deve seguir as disposições do artigo 26 do Anexo Normativo IV da Resolução CVM nº 175 (relativo aos FIPs).
d. Em relação aos direitos creditórios, o gestor deve observar os artigos 33, incisos II a VI, 34 e 36, do Anexo Normativo II da Resolução CVM nº 175 (relativo aos FIDCs).
e. No que diz respeito aos créditos de carbono do agronegócio, o gestor deve verificar a existência, integridade e titularidade dos ativos durante as diligências para sua aquisição.
Além disso, o gestor pode precisar contratar: (a) consultoria especializada; (b) agente de cobrança; e (c) empresa especializada para administrar locações ou arrendamentos de imóveis rurais, exploração do direito de superfície, monitoramento de projetos e comercialização de imóveis rurais.
De acordo com o artigo 31 da Resolução CVM nº 294, o gestor está proibido de realizar operações utilizando os recursos da classe do FIAGRO em situações de conflito de interesses entre: a) a classe de cotas e o administrador, gestor ou consultoria especializada; b) a classe de cotas e cotistas que possuam pelo menos 10% do patrimônio da classe de cotas; e c) a classe de cotas e o representante dos cotistas, salvo aprovação em assembleia de cotistas.
Sobretudo, o gestor não pode aplicar recursos em sociedades nas quais participem o administrador, gestor, consultores, membros de comitês ou conselhos, e cotistas com 5% ou mais do patrimônio da classe investidora, seus sócios e cônjuges, individualmente ou em conjunto, com mais de 10% do capital social votante ou total. Também não pode aplicar recursos em pessoas envolvidas na estruturação financeira da emissão dos valores mobiliários a serem subscritos pela classe de cotas, ou que façam parte de conselhos de administração, consultivo ou fiscal da sociedade a ser investida antes do primeiro investimento pela classe de cotas.
No caso de aquisição de direitos creditórios originados ou cedidos pelo administrador, gestor, consultoria especializada ou partes relacionadas, o regulamento da classe restrita pode afastar essa vedação, desde que: (I) o gestor, a entidade registradora e o custodiante dos direitos creditórios não sejam partes relacionadas entre si; e (II) a entidade registradora e o custodiante não sejam partes relacionadas ao originador ou cedente. Esta exceção não se aplica para a classe de cotas do FIAGRO destinada exclusivamente a investidores profissionais, conforme o artigo 11 da Resolução CVM nº 30.
H) Aumento do rigor em relação a governança e transparência: A Resolução CVM nº 214 reforça a necessidade de governança e transparência nos relatórios informacionais, impondo requisitos mais rigorosos para a divulgação de informações aos investidores. O administrador deve disponibilizar aos cotistas, à entidade administradora de mercado organizado onde as cotas estejam admitidas à negociação, se for o caso, e à CVM, por meio de sistema disponível na internet, as seguintes informações:
a) Informe mensal, conforme modelo do Suplemento O da Resolução CVM nº 175, em até quinze dias após o encerramento do mês a que se referir;
b) Trimestralmente, demonstrativo de composição e diversificação da carteira de ativos, conforme formulário disponível no sistema, em até quarenta e cinco dias após o encerramento do trimestre a que se referir;
c) Anualmente, até noventa dias após o encerramento do exercício social: (a) demonstrações contábeis do fundo e, se for o caso, suas classes de cotas, acompanhadas dos relatórios do auditor independente, conforme normas contábeis aplicáveis às companhias abertas; e (b) formulário eletrônico contendo o informe anual, refletindo o Suplemento Q da Resolução CVM nº 175;
d) Anualmente, o relatório dos representantes dos cotistas, tão logo o receba;
e) Edital de convocação, proposta da administração ou gestão e outros documentos relativos a assembleias ordinárias de cotistas, no mesmo dia de sua convocação;
f) Até oito dias após sua ocorrência, a ata da assembleia ordinária de cotistas;
g) No mesmo dia de sua realização, um sumário das decisões tomadas na assembleia ordinária de cotistas;
h) Edital de convocação, proposta da administração ou gestão e outros documentos relativos a assembleias extraordinárias de cotistas, no mesmo dia de sua convocação;
i) Em até oito dias após sua ocorrência, a ata da assembleia extraordinária de cotistas;
j) Em até trinta dias a contar da conclusão do negócio, a avaliação relativa aos imóveis rurais adquiridos pela classe de cotas, exceto informações protegidas por sigilo ou que prejudiquem a estratégia de investimentos;
k) No mesmo dia de sua realização, o sumário das decisões tomadas na assembleia extraordinária de cotistas; e
l) Em até dois dias de seu recebimento, os relatórios e pareceres recebidos dos representantes dos cotistas, exceto aquele mencionado no artigo 33, caput, inciso IV, do Anexo Normativo VI da Resolução CVM nº 175.
Para classes fechadas, o administrador deve reenviar o formulário atualizado na data de início da nova distribuição de cotas. A divulgação de informações deve ser feita na página do administrador na internet, em local de destaque e de acesso gratuito, e mantida disponível aos cotistas em sua sede. Para classes destinadas a investidores profissionais, conforme a Resolução CVM nº 30, é dispensada a obrigação de envio do informe mensal disposto no item “a” acima.
Felipe Maddarena
01/10/2024