Economia e Direito encontram-se em uma relação de interação, onde ambos se equilibram e mutuamente se neutralizam, sem a prevalência de um sobre o outro. O Direito Econômico, portanto, pode ser definido como o conjunto de regras que orienta a intervenção do Estado nas estruturas do sistema econômico e nas relações entre os atores econômicos.
Entretanto, quando essas a estipulação de diretrizes legais que inferem diretamente na economia se encontram em desarmonia, não raro criam assimetrias e reduzem a eficiência dos atores que buscam regular, tal qual parece ser os efeitos do PL 3/2024 que discutiremos a seguir.
O referido Projeto de Lei, de iniciativa do governo, buscava para “aprimorar o instituto da falência” alterando a Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência – LRF), essa que já havia sido alterada pela Lei nº 14.112/2020, perfazendo inúmeras mudanças em seu texto legal. O PL 3/2024 foi apresentado no início do ano perante o Plenário da Câmara dos Deputados, sendo votado e aprovado, após tramitação, com emendas, pela Câmara em 26 de março de 2024.
A nova reformulação, pouco refletida, devido a urgência dada a sua aprovação, pode parecer aos olhos menos apercebidos apenas uma filigrana técnica, de menor importância, mas traz preocupações plausíveis ao sistema creditório e aos demais atores envolvidos nas atividades do agronegócio. As modificações realizadas na LRF, que vale lembrar, ainda precisam de guarita do Senado Federal, retificam a sistemática do “bens de capital” que não podem ser excutidos pelos credores ao longo do stay period, ou seja, o longo do período de suspensão de ações e execuções após o processamento da Recuperação Judicial.
Hoje, a interpretação da legislação veda que bens essenciais (maquinários agrícolas, silos, defensivos, fertilizantes, sementes, etc) relacionados a atividade dos produtores rurais e pela agroindústria, mesmo que dados em garantia fiduciária, sejam executados por devedores durante o período suspensão de ações e execuções, como demonstra o § 3º do artigo 49 da referida lei:
“Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, [...], seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.”
Entretanto, a mudança legislativa insere na redação a expressão “ativos essenciais”, para designar que “a venda ou a retirada, do estabelecimento devedor, de bens de capital e dos ativos essenciais à sua atividade empresarial, ainda que incorpóreos ou intangíveis.”
Dessa forma, a possível alteração no mecanismo do direito recuperacional, mesmo que detenha o condão principiológico de preservação da empresa, vem preocupando os envolvidos no setor do Agronegócio, pois a inserção da expressão “ativos essenciais” altera o entendimento de produtos agrícolas não constituem bens de capital.
Visto isso a amplificação dos efeitos que recaem sobre a sistemática do período de suspensão no que tange bens essenciais, traz menor segurança para os stakeholders que cercam a cadeia agroindustrial, principalmente, os seus financiadores, haja vista a subjetividade e insegurança totais às recuperações judiciais e títulos créditos como CPRs (Cédula de Produto Rural), CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) e Warrants Agropecuários, pois, devido à mudança, pode-se entender que o produtor rural que alienou sua colheita em troca de insumos e/ou empréstimos, pode acabar não fornecendo o produto agrícola ao credor, ou tais produtos tiverem sido dados em garantia podem não ser acessados por credores
Assim, vemos que além do aumento do risco sistêmico pela disseminação indevida de Recuperações Judiciais, a possível alteração é mais um risco para o setor, pois a concessão de crédito e seu custo, ou seja, os juros cobrados, estão diretamente ligados a possibilidade execução de garantias, de maneira a exemplificar o que tratamos acima, ao citar que diretrizes legais são mal formuladas, geram assimetrias que afetam o sistema econômico e seus atores, aqui a cadeia agropecuária.
Victor Belmonte
02/05/24